A Estrada



Porto Alegre, Viamão, Cacique Doble, Mato Preto, Caxias do Sul, Canela, Osório... Na etapa de entrevistas e coleta de material, foram feitas visitas a reservas indígenas e Casas de Batuque, com o intuito de situar os músicos no universo sonoro das culturas em foco.


Guaranis: Para eles, o canto é uma inspiração divina enviada através dos sonhos, tendo o poder de curar as pessoas e fortalecer a vida comunitária. O entrevistado para o projeto foi o Cacique Joel Pereira, de Mato Preto. A comunidade possui um grupo de cantos tradicionais, chamado "Añhandu Miri", formado por um coral de crianças e músicos, sendo o próprio Joel um deles. "Añhandu Miri" significa "Pequeno Sol". Na ocasião da primeira visita, o grupo apresentou uma canção que, traduzida para o português pelo cacique, falava sobre as crianças serem o futuro e a esperança do mundo. A experiência de ouvir o coro de crianças foi tão tocante que a melodia apresentada serviu de inspiração para a música que marca a fase da infância, que também leva o nome do grupo. 




 A instrumentação para as músicas do trabalho também partiu da influência Guarani, utilizando, entre outros instrumentos, o violão (mba'epú) e o violino, que simboliza a Ravé (espécie de rabeca construída por eles).



















Kaingangs: Foram visitadas as reservas de Cacique Doble, Salto Ligeiro e um acampamento no Parque do Pinheiro Grosso, em Canela. Em Cacique Doble, ouvimos a história de Faustino Ferreira Doble, que viveu na região de Caxias do Sul quando ela se chamava Campo dos Bugres. Também ouvimos histórias de representantes mais antigos da comunidade, contando que, mesmo na época de trabalho forçado, os Kaingang sempre cantaram para alegrar o espírito. Infelizmente, a predominância da Igreja Evangélica nas reservas fez com que os habitantes dali esquecessem seus cantos tradicionais.







 A maior parte das informações musicais Kaingang foram fornecidas pelo músico e artista plástico porto-alegrense Jorge Herrmann. Ele contribuiu com dois CD's de cantos tradicionais compilados por ele e outros músicos, bem como informações sobre suas vivências e o contato do Kuiã (pajé) Zílio, que estava acampado em Canela. Zílio nos contou sobre a crença kaingang no tempo mitológico do Gufã, onde os animais falavam, e nos mostrou cantos como o pénkrig tynh kãme, que conta a história da formiga cantando a alegria de trabalhar. Essa melodia foi usada em momentos diferentes, "costurando" as músicas do espetáculo e nos remetendo ao trabalho que temos durante nossa "passagem" por aqui. Também foi utilizado o kujá ta vãser kri tynh kãme, que é um canto do Kuiã para as pessoas que já partiram. 












Batuque: É a religião afro-descendente cultivada no Rio Grande do Sul. Muito parecida com o Candomblé e com o Xangô do Recife, guarda algumas características próprias que a diferencia das anteriores, de acordo com o livro "O Batuque do Rio Grande do Sul", do antropólogo Norton F. Corrêa, que foi um dos materiais de pesquisa utilizados. Segundo o trabalho, a religião teria sido criada em Rio Grande e Pelotas, devido à alta concentração de escravos oriundos de várias partes do país, que trabalhavam nas charqueadas. O Batuque tem três divisões, ou Nações, que se diferenciam nos cantos, toques e ritualística: as nações Cabinda, Jeje-Ijexá e Oyó, sendo que essa última quase não possui mais representantes. 


Para o embasamento musical, foram entrevistados os Alabês (tamboreiros) Wagner de Oxalá, em Caxias do Sul, e Antônio Carlos de Xangô, em Viamão. Wagner exemplificou várias "pancadas" da Nação Cabinda, e contou um pouco da mitologia por trás dos toques e dos Orixás. A entrevista com Wagner culminou com uma festa na Casa de Pai Antônio de Bará, para um melhor entendimento da musicalidade do Batuque. 





 Antônio Carlos de Xangô, o principal entrevistado para o trabalho, é um dos tamboreiros mais antigos e respeitados do Estado. Também é professor para iniciantes no Ilú, tambor utilizado na religião, tendo desenvolvido um método próprio de ensinar e até de "reger" os Alabês em festas. As "pancadas" apresentadas por ele foram inspiração para a parte rítmica das composições, principalmente por se tratarem de maneiras mais tradicionais de se tocar o Ilú. A emoção e entrega com que ele cantava foi, sem dúvida, um norte para o trabalho.